2015-04-30

Quando me apagar

Independentemente do mérito da imortalidade da obra de cada um, interrogo-me o que acontecerá a tudo aquilo que deixarmos publicado na Internet antes de morrermos realmente. Virtualmente poderá manter-se online durante muito mais tempo. Quem terá acesso, posterior ao nosso desaparecimento, às contas nos blogs, redes sociais, etc. que temos espalhadas pelo ciberespaço? Quem conseguirá decifrar as palavras-passe que garantem a segurança contra a utilização das nossas contas por terceiros? E quereremos que as decifrem? ou que as liquidem de vez?
Para além disso, há os contactos virtuais que se estabelecem. E muitos nunca passam disso mesmo. De virtuais. Como poderão distinguir a ausência por desinteresse, ou por outros interesses, da ausência por motivos de força maior? Por razões que não dão hipótese de contestação?
Quem se aperceberá deste grande apagão? Quais dos amigos reais conhecem plenamente a dimensão virtual deste eu? Do meu autor? Haverá possibilidade de deixar em testamento a nossa dimensão virtual? Ou, nem que seja virtualmente, haverá lugar a enterro?
Lápide alguma marcará este final.

Inconfessável

Calo o que sinto, pois não o posso partilhar. Nem contigo, nem com outra, o que ainda está em brasa dentro do meu coração. Sei que posso contar contigo, pois nada me perguntarás. Talvez com medo de reacenderes este vulcão adormecido. Cuja fúria já vislumbraste. Cujo poder já desejaste. E não mais o quererás, de tal forma incontrolável e ilógico ele surge.
De que adianta tanto poder se não for controlável? Só nos poderá magoar, se não nos deixar felizes para sempre. E sempre, é o tempo que este sentimento amordaçado parece ter. E se, para sempre, tiver que ficar no meu peito prisioneiro, assim será. A última coisa que desejo é voltar a magoar-te.
Magoar-me não me assusta. Por isso não fujo de ti a sete pés. Já no passado fugi e de nada me serviu.
Tenho que domar o indomável.
Tive que confessar o inconfessável.

2015-04-29

Dadas as listas de base

As bases de dados estão cada vez mais presentes nas nossas vidas. Aceitamos quase sem pensar em ceder os nossos dados, que ficarão compilados em listas.
Talvez por isso abracemos com agrado a constituição de novas listas. Torcemos o nariz às listas VIP, talvez por temermos ficar excluídos. Mas a constituição de listas que marquem terceiros para nossa conveniência, é recebida de braços abertos. Independentemente da Constituição.
Hoje pugnamos pela lista pública dos pedófilos, para salvaguardar as nossas crianças.
Amanhã pugnaremos pela lista pública dos homicidas, para salvaguardar as nossas vidas.
Depois, certamente, pela lista pública dos gatunos, para salvaguardar os nossos bens materiais.
Publique-se!

2015-04-26

A luz que retraça a traça

A traça é atraída pela luz. Fica cega com o brilho. Queimada com o calor. A cegueira é tal que só dá pelas queimaduras tarde demais. Quando já estiver perdida.
Tal como qualquer corpo é atraído, pela força da gravidade, para um buraco negro, a traça dirige-se para a sua perdição. Antes mesmo do buraco negro acabar por destruir o corpo pelo esmagamento, já o desfez vítima do poderoso gradiente da dita força. O corpo acelera em direcção ao buraco negro, completamente dilacerado. E dilacerado se esborrachará, não mais escapando ao poder gravitacional do buraco negro. Se nem a luz lhe escapa...
E perdida e desorientada, choca e afasta-se da luz. Num bailado de perdição e embriaguez inexplicável para quem não sofre a mesma atracção pela luz.
E quando as queimaduras acabam por impedi-la de voar, esvoaça até no chão se estatelar. Retida pela força da gravidade, definitivamente afastada daquela luz que a queimou.
Mas será que a traça, mesmo sabendo que a luz seria a sua perdição, resistiria a aproximar-se tanto da luz que a iluminava?

2015-04-21

Somente mais uma vez

Fizeste-me teu sem licença
Cativaste-me com o teu olhar
Anseio pelo teu potente tocar
Eclipsaste a indiferença

Já não mais me toco sem te tocar
Rogo-te mais tempo num abraço
Sinto-me apertado num laço
Donde não consigo desembaraçar

Devolvo-te o sorriso que pregaste
Na minha cara embevecida pela tua
Quando da vida banal me salvaste

Salvas-te a ti mesma com amor
Espero-te ver em breve na Lua
Esqueço-me de um final com dor

2015-04-16

Querer e poder

Pede-me o que quiseres e dar-te-ei o que puder. Façamos tudo o que melhor nos aprouver. Consensualmente unidos pelo prazer. Ousemos sonhar sem que os transformemos em pesadelos. De forma controlada, descontrolemo-nos.

2015-04-12

Por ti e/ou por mim

Nem sempre é fácil perceber a causa de um sentimento. Algumas vezes desejamos a uma pessoa especial, algo mais motivado por nós, do que por pensamentos e desejos puros sobre essa pessoa. E nem sempre é fácil descortinar onde começa o nosso desejo egoísta e onde acabam os votos sinceros do melhor para ela. Dir-se-ia que não é fácil ter uma opinião desinteressada da situação. Esquecermo-nos de nós próprios e pensar exclusivamente no melhor para o(s) outro(s). Somos parte interessada. E desse interesse não nos desprendemos. Quando alguém nos diz que será de uma maneira e não da que desejamos, muitas vezes, dependendo do tamanho do desejo, acabamos por arranjar interpretações divergentes. Mesmo quando a situação é posta de forma clara e sem ambiguidades, procuramos discursos escondidos que satisfaçam o nosso desejo. Queremos tornear a realidade de maneira a encaixá-la no projecto que a nossa mente projectou, contra a própria realidade. E, por mais forte que o desejo possa ser, nada supera a realidade. Podemos e devemos tentar moldá-la. Mas nada podemos fazer se o desejo do outro entrar em rota de colisão com o nosso. Nada, talvez seja um exagero. Afinal somos livres de projectar a nossa participação, mesmo acabando por não ser convidados para a execução...

2015-04-06

Por fim, enfim, o fim novamente

A inevitabilidade do fim, não deve intrometer-se no desfrutar do presente. Sob pena de antecipar o primeiro, ao destruir o segundo. Por mais anticorpos que se criem, não podemos permitir-nos a que destruam qualquer possibilidade de novo lampejo de felicidade. Felicidade que por mais efémera que possa ser, tudo merece e tudo faz por merecer. O(s) outro(s) não podem partir com uma desvantagem tão grande como a que os antecedentes semearam. Devemos ser-lhes leais e permitir-lhes o benefício da dúvida. E ele(s) agradece(m) a todos os precedentes pelo presente que deixaram, ao partirem para o passado. Um ciclo fecha-se, dando espaço e tempo para que outro se abra. Não interessa com quem. Interessa isso sim que se parta de espírito aberto às novas possibilidades. O quando, o quem, o como, o porquê, o quanto, irão respondidas a pouco e pouco. Ainda que nunca de forma definitiva. Definitiva apenas enquanto durar. E enquanto durar, é o tempo bastante para amar. E quando o fim chegar, esse marco inevitável, saberemos o que fizemos. E ficaremos tanto mais felizes quanto mais de nós tivermos investido. Pois só o investimento produtivo gera lucro. Lucro que torna o futuro mais auspicioso. E quando o fim, por fim, for mesmo o último dos finais, é importante que tenhamos vivido o mais felizes possível até aí.

2015-04-05

Páscoa

E se, por capricho de uma sucessão de eventos, formos repentinamente confrontados com uma (boa) parte do nosso passado. Estaremos prontos para com ele fazer as pazes? A renovação tem que ser compatível com o passado. Apesar da história tender a repetir-se, usualmente não se repete com os mesmos intervenientes. Mas ajuda ao desenvolvimento, perceber quais os erros cometidos e como evitar repeti-los. Parece ser de implementação fácil, mas na realidade, e em especial no domínio sentimental, a razão pode ficar com uma visão demasiado turva. Especialmente se os eventos forem recentes. E a fulanização em nada ajuda a uma análise correcta. Quando a relação com o passado está arrumada e em paz, menos perturbações são expectáveis no futuro. Ainda assim alguma atenção deve ser dada à análise dos erros. Em descobrir as suas causas verdadeiras e não se ficar apenas pelas aparentes. As acções preventivas são preferíveis às correctivas. Destas as mais difíceis são as que vão contra o sujeito que as tenta implementar. Seja quais forem as razões, o sujeito tende a agir da mesma forma perante situações semelhantes. Por muito monótono que isso possa parecer, a aleatoriedade não é propriamente uma característica humana. E é o modo de agir que urge alterar. Isto tratando-se de um erro, claro está. No que está certo, muda-se menos. A Quaresma, como qualquer outro período de preparação, é essencial para melhor preparar a tal passagem necessária. Aquela que nos salvará dos erros passados. Isto se houver salvação...