2012-01-19

Uno

Por momentos fomos um. O mundo tinha sido expulso para além das nossas fronteiras unificadas. Nem sequer reparámos se nos observava, com a inveja de quem é forçado a ficar ver, sem poder participar.
Foram momentos efémeros que deixaram memórias perenes. Que ajudaram a fortalecer a união. A preterir os outros, preferindo-nos.
Mas o mundo acaba por regressar. Talvez movido pela tal inveja, fazendo questão de se intrometer. Fazendo questão de desgastar. Forjando desculpas para faltas de comunhão. Parecendo gozar à medida que a erosão deixava marcas profundas. Sentindo que cada dia era dado mais um passo em direcção ao fim. Fim que paulatinamente se aproximava, gelando à sua passagem, qual Inverno enregelador.
E quando o fim, que se adivinhava, finalmente chegou, o mundo nem se dignou festejar. Pareceu ter reduzido a sua importância a uma insignificância. E quando um, chegando ao limite, gritou uno, o único prémio que recebeu foram as suas próprias lágrimas amargas.

2012-01-03

A vaca fria

Não percebo a fixação que algumas pessoas têm pela neve. Percebo que a achem linda. Mas isso não me chega. Ela pode ser linda mas é gelada. Como se isso não bastasse, derrete-se logo mal se lhe põe as mãos em cima.
Depois tem aquela maneira de viver das aparências. Parece toda branquinha e, ao aproximar-mo-nos mais, começamos a ver a porcaria. Começamos a perceber que aquilo que parecia ser de um branco imaculado, está cheio de manchas acinzentadas. Isto se não estiver com umas muito suspeitas cores mais garridas...
Apesar de se derreter com facilidade, pode ocultar o seu escorregadio amigo gelo. Aliás, basta pressioná-la para ele aparecer logo. Primeiro é só negações, ninguém escorrega, ninguém cai. Mas por debaixo dela, ele se esconde. À espera de trair mais alguém.
No entanto, espero que, o facto de nunca a ter conhecido pessoalmente, não me tenha prejudicado o julgamento...