2012-06-21

Só à palmada

Ela exagerou no seu esforço. Tentou ir além do que as suas forças permitiam. O exercício físico deixava-a louca. E não era coisa pouca.
O corpo sempre a esforçar, sem lhe permitir descansar. Sem lhe dar descanso. "Quem corre por gosto não cansa", dizem, sem afirmarem que uma tal corredora nunca descansa.
Há quem tenha tanta energia que parece inesgotável. E nesse erro caiu ela própria. Em cima da passadeira rolante corria, indiferente aos pedidos do seu próprio corpo para parar. Ou até mesmo para abrandar. O objectivo era ir mais longe. Estar durante mais tempo. Gastar o maior número de calorias. Derreter a maior quantidade de gordura.
E quando, embriagada pelo prazer que o exercício lhe proporcionava, o seu próprio corpo desfaleceu, ela tombou sobre a consola de comando da passadeira, ficando pendurada com o tronco para um dos lados e as pernas para o outro lado.
O alvoroço foi muito e vários acorreram em seu auxílio. E, lá chegados, próximos, rapidamente concluíram que o melhor seria darem-lhe umas palmadas nas bochechas. Até que estas ganhassem cor e ela reanimasse, voltando a si.

2012-06-08

A manada

Não vi um finlandês preocupado com os gastos exorbitantes dos portugueses em telemóveis. Não vi um alemão preocupado com o excessivo crédito assumido por portugueses para adquirir carros, novos e usados, de marcas alemãs. Muito menos com a aquisição de submarinos pelo Estado Português.
Aparentemente há vários preocupados com as dívidas excessivas contraídas pelos portugueses.
Aparentemente, conseguem ver a Europa como um somatório de compartimentos estanques. Como se a situação de uns, não pudesse vir a influenciar a situação dos outros. Pensam que a Europa poderá ser vista como uma manada, onde os mais lentos e mais fracos poderão ser sacrificados, salvando os mais velozes e mais valentes dos predadores.
Apesar de terem razão na metáfora, esquecem-se da totalidade. Que os predadores são mais que muitos. E depois de tratarem dos mais pequenos, que mal dão para lhes saciar o apetite, virar-se-ão para os maiores.
Curiosamente os predadores, quais animais irracionais, ainda não se aperceberam que, à medida que as vítimas caírem, também eles ficarão em vias de extinção.

2012-06-06

Uma pequena parte

Há sempre uma ponta de egoísmo no sentimento que acompanha um ente querido que parte, que se afasta e/ou que termina uma relação connosco. Por muito que desejemos a felicidade do ausente, ficamos infelizes no presente. Infelizes por essa felicidade deixar de passar por nós no futuro.
E não deveria ser assim. Não deveríamos ficar agarrados ao passado, não libertando os nossos sentimentos completamente. A frustração das falhas que cometemos ainda é compreensível. Mas por terem sido falhas. E só por isso. Pois devemos lembrá-las apenas para não voltarmos a repeti-las.
As desculpas são mais que muitas. Por isto, por aquilo, por aquele outro, há sempre razões para os nossos falhanços. E até há para os falhanços dos outros. Mesmo que não os consigamos ver com a mesma nitidez. Com a mesma clareza com que desculpamos os nossos.
O importante é que, ainda que uma pequena parte de nós fique a remoer, a nossa maior parte avance para o futuro com isto presente: os erros são inevitáveis.
Mas serão tão mais indesculpáveis quanto mais repetentes e persistentes forem.