2015-03-17

Súbito óbito

As relações não morrem subitamente. Vão morrendo lentamente às mãos dos intervenientes. Tal como os cigarros não matam imediatamente o fumador, são os pensamentos, palavras, actos e omissões dos cúmplices culpados, que o levam à agonia final. E não é preciso que fumem vários maços por dia. Basta-lhes deixar a dose venenosa subir lentamente ao longo do tempo. Não fazendo desintoxicações regulares, o veneno acumula-se e provoca sintomas. Os quais podem ser ignorados ou observados, desde que ao outro imputados. A não aceitação do outro tal como ele é, é um veneno poderoso. Ainda que administrado em pequenas quantidades, acaba por ter um resultado inexorável, a longo prazo. Ao contrário de uma dose elevada logo no início, que impossibilite sequer o início da ligação. A culpa arrisca-se a ser a única a não morrer solteira, independentemente da opinião dos participantes tentarem casá-la com o outro. Com o oponente. E essa divergência pode tornar-se central. No final, alguém tem que atestar o óbito.

2015-03-12

Curioso desinteresse

Ergues-me com o teu pensamento. Prostras-me com o teu desinteresse. O vazio enche-se com a tua ausência. A liberdade da solidão regressa carregada de nada. E isso traz tudo à memória. Esquecendo o mau e recusando lembrar o bom. Assim é o limbo libertador, recusando o passo em frente. Tolhe o movimento da mudança. Mantém a inércia dos sentimentos. A curiosidade espreita o caminho do outro, sabendo que não o partilhará mais. Desejando aquilo que não mais possui, despojando-se de todo o desejo, cai por terra, desinteressado. E na primeira oportunidade, agarra-a com ambas as mãos, e por momentos tudo é só paixão.